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Trecho de A FORÇA HUMANA | |
”Te dependura aqui na barra”, disse o João. “Aqui?”, perguntou Waterloo, já debaixo da barra. “É. Quando a tua testa chegar na altura da barra, pára.“ Waterloo começou a suspender o corpo, mas no meio do caminho riu e pulou para o chão. “Não quero palhaçada aqui não, isso é coisa séria”, disse João, “vamos novamente.” Waterloo subiu e parou como o João tinha mandado. João ficou olhando. “Agora, lentamente, leva o queixo acima da barra. Lentamente. Agora desce, lentamente. Agora volta à posição inicial e pára.” João examinou o corpo de Waterloo. “Agora, sem mexer o tronco, levanta as duas pernas, retas e juntas.” E o crioulo começou a levantar as pernas, devagar, e com facilidade, e a musculatura do seu corpo parecia uma orquestra afinada, os músculos funcionando em conjunto, uma coisa bonita e poderosa. Este conto está no livro A coleira do cão. |
Trecho de A ARTE DE ANDAR NAS RUAS DO RIO DE JANEIRO |
Augusto, o andarilho, cujo nome verdadeiro é Epifânio, mora num sobrado em cima de uma chapelaria feminina, na rua Sete de Setembro, no centro da cidade, e anda nas ruas o dia inteiro e parte da noite. Acredita que ao caminhar pensa melhor, encontra soluções para os problemas; solvitur ambulando, diz para seus botões. No tempo em que trabalhava na companhia de águas e esgotos ele pensou em abandonar tudo para viver de escrever. Mas João, um amigo que havia publicado um livro de poesia e outro de contos e estava escrevendo um romance de seiscentas páginas, lhe disse que o verdadeiro escritor não devia viver do que escrevia, era obsceno, não se podia servir à arte e a Mammon ao mesmo tempo, portanto era melhor que Epifânio ganhasse o pão de cada dia na companhia de águas e esgotos, e escrevesse à noite. Seu amigo era casado com uma mulher que sofria dos rins, pai de um filho asmático e hospedeiro de uma sogra débil mental e mesmo assim cumpria suas obrigações para com a literatura. Augusto voltava para casa e não conseguia se livrar dos problemas da companhia de águas e esgotos; uma cidade grande gasta muita água e produz muito excremento. João dizia que havia um ônus a pagar pelo ideal artístico, pobreza, embriaguez, loucura, escárnio dos tolos, agressão dos invejosos, incompreensão dos amigos, solidão, fracasso. E provou que tinha razão morrendo de uma doença causada pelo cansaço e pela tristeza, antes de acabar seu romance de seiscentas páginas. Que a viúva jogou no lixo, junto com outros papéis velhos. O fracasso de João não tirou a coragem de Epifânio. Ao ganhar um prêmio numa das muitas loterias da cidade, pediu demissão da companhia de águas e esgotos para dedicar-se ao trabalho de escrever, e adotou o nome de Augusto. Agora ele é escritor e andarilho. Assim, quando não está escrevendo - ou ensinando as putas a ler -, ele caminha pelas ruas. Dia e noite, anda nas ruas do Rio de Janeiro. |
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